Não a caso a inveja é um dos sete pecados capitais. Entretanto, fala-se pouco dela, sua presença é geralmente só comentada “por cima”. Vamos aqui olhá-la bem de perto e ver como funciona.
A inveja é a cobiça do ser assim como a ganância é a cobiça do ter. Pessoas gananciosas agarram tudo o que encontram. A cotoveladas buscam arrancar a fatia maior do bolo. São movidas por uma força cega e pouco se importam em quem pisam para conseguir o que querem. Seu desejo é obeso. A angústia que precisam aplacar internamente é muito grande, e neste vazio existencial jogam tudo quanto é possível para acalmar seu deus voraz.
Agora a inveja é diferente e menos escandalosa, porém mais perigosa. Seu alvo não é o que os outros têm, mas o que os outros são. O invejoso, que não tem personalidade própria mas vive de luz refletida, está encantado pelo outro. A pessoa que suscita sua inveja possui qualidades psicológicas que o atraem, que literalmente o fascinam. Isso poderia gerar uma relação positiva, de complementaridade, troca e amizade. Ou melhor: de mestre-discípulo, dependendo da situação. Mas o invejoso, em lugar disso, nega o fascínio que sente e busca sujar a imagem do outro.
Por que ele faz isso? Porque se sente ameaçado. Como o invejoso se coloca muito abaixo da pessoa cuja personalidade admira, ele sequer cogita ser como ela (do seu jeito). No final das contas, o invejoso tem uma autoestima baixíssima, ele mesmo se coloca fora do jogo. Eliminando a possibilidade de jogar, não lhe resta que estragar o jogo dos outros.
E aqui começa a tristeza. O invejoso não vai declarar o que sente. Inveja é um sentimento do qual se tem vergonha. E também ele não pode reconhecer os valores que vê no outro, a não ser de forma superficial e fingida, como alguém que constata que o céu é azul e que há uma árvore no parque. Ele reconhece mas sem verdadeiramente valorizar, e só quando for necessário devido a situações sociais onde negar seria admitir que se tem um problema.
Há casos em que circunstâncias infortuitas da vida tornam impossível avançar e a pessoa tem mais talentos daqueles que consegue expressar e então sente inveja dos outros. Mas no geral, o problema do invejoso contumaz é que ele simplesmente não tem condições psicológicas para alcançar outros níveis. Falta-lhe estrutura psíquica e cultural. É como uma criança da primeira série que inveja o estudante universitário. A situação é sem esperança, a menos que ele não se disponha a percorrer o árduo caminho para chegar lá. Infelizmente, esse tipo de pessoa não quer se dar ao trabalho real de chegar onde sonha. Quer ela seja preguiçosa, quer prefira manipular os outros ou enfim seja totalmente incapaz, o fato é que há uma triste e fatal discrepância entre o que ela deseja e o que ela é.
Para começar qualquer trabalho de aprendizado, desde estudar matemática a iniciar uma terapia, a pessoa precisa reconhecer que não sabe que há algo que ela não sabe e quer ou precisa descobrir. E aí começa o rolo: o invejoso se dá o luxo de ser tão orgulhoso a ponto de não poder enfrentar suas próprias lacunas, as quais desta forma nunca poderá preencher.
Assim, preso num círculo vicioso, ao invejoso só resta solapar a pessoa que desperta sua inveja. E fará isso da forma mais sutil, esdrúxula e por baixo dos panos possível. De maneira tão escondida e camuflada como seu real sentimento é.
O meio mais usado é a difamação. O invejoso mente e torce a verdade, começando por sua própria percepção das coisas. De fato, o trabalho de difamação e solapamento do outro se instaura dentro da própria psique do invejoso, antes de alcançar o outro. Ele enxerga as coisas de forma distorcida e acredita tanto no que vê que quando comenta com os demais parece sincero, e pior, parece vítima.
O invejoso é, portanto, um fingido. Ele sufocou a tal ponto seu real sentir que está “convencido” do que fala. E precisa fazer isso, pois poucos aguentariam simplesmente reconhecer sua própria inveja e agir mal. Quem se percebe é a pessoa consciente que se trabalha. Esta não vai prejudicar a vida de ninguém, ela sofre em silêncio. Agora, o invejoso real cria uma bola de neve venenosa e apetitosa que fará rolar impiedosamente sobre o objeto de sua inveja com o intuito de eliminá-lo do território, e assim não ter que se deparar mais com a imagem projetada de sua própria incapacidade e fraqueza.
Finalizando, a inveja maléfica é o sinal de um coração obscurecido pela vontade de poder. Por isso ela está entre os sete pecados capitais.Fonte: Psicologia dialética