O que têm em comum a vida sexual e a prática do futebol? Resposta: ambas se traduzem, ao menos em nossa sociedade e em nossa época, numa mesma palavra: desempenho. Extremamente usada, aliás. Para constatá-lo, é só entrar no Google e digitar a expressão "desempenho sexual". Vocês obterão quase 700 mil referências. Se preferirem a versão em inglês, "sexual performance", aí a coisa cresce muito: 57 milhões de referências. (Entre parênteses, a frase "a coisa cresce muito" foi inteiramente casual).
A palavra desempenho, segundo o dicionário do mestre Houaiss, tem muitos significados. Pode ser, em primeiro lugar, a maneira como alguém atua ou se comporta, avaliada em termos de eficiência ou de rendimento; na área administrativa, a definição inclui a análise de resultados para verificar a necessidade de modificação ou melhora. Desempenho também pode aludir ao trabalho de atores e atrizes. E, finalmente, é a recuperação do que estava empenhado, o cumprimento de uma obrigação ou promessa. Na primeira acepção estamos falando, obrigatoriamente, de critérios de avaliação. Quais critérios? Vocês sabem: o tempo dedicado às carícias prévias, o tempo de duração da relação sexual, o número de orgasmos (o tamanho do pênis já gozou de maior popularidade; hoje se sabe que este tamanho não é documento). Nasce daí uma espécie de contabilidade sexual. Que serve como instrumento para a avaliação, esta resultando, como o vestibular, em aprovação ou reprovação.
Nasce daí um quadro psicológico conhecido como a ansiedade de desempenho. A pessoa se sente obrigada a "desempenhar" bem o seu papel, sobre o qual tem dúvidas. E aí ocorre aquilo que os americanos chamam de "self-fulfilling prophecy": uma previsão que se realiza, exatamente porque foi feita. Ou seja, o temor do fracasso gera o fracasso, para o qual não há escapatória: se fugir o bicho pega, se ficar o bicho come (de novo: sem conotações).
Uma das consequências disto é que hoje existe uma verdadeira indústria de estímulo à sexualidade, que inclui desde vídeos eróticos até medicação, passando pelos tratamentos os mais extravagantes.
A pergunta é se as coisas realmente teriam de ser assim. E a resposta é, claramente, negativa. Introduzir a noção de desempenho na vida sexual significa aderir ao clima geral de competição, de ânsia pela vitória, que caracteriza a sociedade em que vivemos. O desempenho torna-se um desafio, expresso nas mesmas palavras que a esfinge dirigiu a Édipo: decifra-me ou te devoro. É uma incógnita ameaçadora.
Em contraste, pensem na expressão que a Bíblia usa para designar o ato sexual: conhecimento. É um tanto estranha, mas muito significativa. O conhecimento significa penetrar na intimidade da outra pessoa, tanto do ponto vista emocional como carnal. Adão e Eva não precisaram ler nenhum manual, não precisaram aprender nenhum técnica. Simplesmente seguiram seus instintos.
Claro, às vezes a ajuda é necessária, exatamente por causa da ansiedade do desempenho. Mas a verdadeira ajuda é aquela que faz emergir as verdadeiras emoções e sentimentos. Técnica é importante? É. Mas o que conta realmente é a dimensão humana da vida sexual, aquele fascinante mistério pelo qual dois seres se tornam um só, sem dar importância a avaliações de desempenho ou a aplausos de uma platéia imaginária.
Fonte: Texto de Moacyr Scliar