Não é novidade que
entramos numa era especialmente dedicada à hiperexposição. Ela é o brinde para
adocicar o sabor amargo e podermos engolir sem dar muita atenção a todo o
marketing que nos é impingido. Nossas informações pessoais circulam livremente
para fins nem sempre solicitados – e muitas vezes obscuros e não muito nobres.
Mas foi tudo muito bem articulado e calculado pelos estrategistas de marketing:
fisgar-nos pelo lado mais fraco. Como peixinhos, pela boca. Ou melhor, pelo ego
narcisismo.
O ego narcisista tem
seu lugar cativo e ainda mais importante no atual fenômeno das redes sociais,
que, cada vez mais, têm um papel efetivo e rotineiro na vida de todos nós. O
que acontece nessas redes é particularmente singular, pois interagimos com
“estranhos” com a desenvoltura que provavelmente não teríamos se os mesmos
fossem parentes nossos ou amigos de longa data. Este é apenas um tipo de
comportamento dentre um leque imenso e repleto de nuances que determinam como
se tratam uns aos outros nesses espaços de interatividade à distância, embora
haja uma peculiar constante entre todos os tipos de relacionamentos online: a
coragem exacerbada.
Esta é conferida
pela percepção de nossas personas, que dão a medida do que queremos parecer
para o outro, além da distância física e da possibilidade de podermos, a
qualquer momento, desaparecer assim como aparecemos. Muito do que é dito
através do “véu” translúcido, mas sempre presente, das redes sociais aos nossos
interlocutores, vem com um ímpeto maior e mais forte do que no convívio social
convencional. Carregamos na tinta para que possamos marcar nosso território,
deixar bem claro quem somos e a que viemos depois de escolhida a persona que
queremos usar.
Superficiais e rápidas
Nosso narcisismo
ganha amplo espaço para crescer livremente, uma vez que em nosso dia-a-dia real
não alcançaríamos tantos “ouvintes”, ainda que fôssemos celebridades. Há alguns
aspectos curiosos que não diferem das relações convencionais: procuramos sempre
os nossos “iguais”, seja pelo conteúdo que expressam, seja pela maneira que
escrevem, seja pela personalidade que transmitem ou pela classe social a que
pertencem. A partir dai, começamos a fazer pequenas distorções da realidade –
já alterada – para que não fiquemos aquém de nossos “pares” e, dessa forma,
nosso “portfólio” tem a obrigação perene de ser cuidadosamente apresentado e
parecer sempre muito interessante e autêntico aos olhos que imaginamos vê-lo.
Começam pequenas competições, exatamente como acontece fora do ambiente
virtual. Entretanto, podemos ter mais flexibilidade assumindo atitudes bastante
inusitadas e ousadas, uma vez que temos consciência do âmbito de nossa condição
etérea de meros “avatares” e que basta apenas um clique e não estamos mais ali.
Não somos mais o que
fizemos ou dissemos. Contudo, essa condição ambígua que adquirimos tem seu
preço e suas limitações: nas eventuais tentativas de extensão de
relacionamentos fora do ambiente virtual – as chances de um flerte que se
transforma em romance criado nele, por exemplo –, há pouquíssima probabilidade
de florescer, de haver sincronia, de ter qualquer continuidade se não podemos
manter no mundo real o que fizemos deliberadamente aparentar no virtual. E
tampouco validar as expectativas e idealizações que o outro nos conferiu e
vice-versa. Seria a mais perfeita tradução do amor narcisista que vem da
fantasia do outro, em sua forma mais instintiva e infantil.
Vejo mais sucesso no
âmbito das amizades começadas virtualmente. Decerto, as relações virtuais
estarão, na maioria das vezes, herméticas e fadadas ao meio em que começaram
por ser, em sua grande maioria, demasiadamente superficiais e rápidas, como o
ritmo do ambiente que as propiciou assim exige. Esse mesmo ritmo é que traz
consigo as nuances que distinguem e às vezes impossibilitam relacionamentos que
perdurem e que se sustentem se trazidos para o mundo da realidade não virtual.
Fonte: observatoriodaimprensa por Cynthia Kremer