As cenas de bastidores de filmes e games com um ator vestido
com um macacão em frente a um fundo verde estão com os dias contados. É assim
que ainda funcionam várias produções: os movimentos do personagem são gravados
e vão para um banco de dados que o desenvolvedor do game (ou o editor do filme)
vai usar para cada situação. A técnica, conhecida como motion capture, está
prestes a ficar ultrapassada. E o futuro da animação tem nome e sobrenome:
Torsten Reil.
Britânico de 38 anos, Reil lidera um movimento que está
revolucionando este mercado. Como CEO e fundador de um dos mais inovadores
estúdios de animação para games do mundo, o NaturalMotion, ele se especializou
em desenvolver softwares que criam vidas artificiais. Hoje é possível traduzir
em fórmulas matemáticas o mecanismo de evolução do comportamento de um ser vivo
inteligente. A sacada de Torsten foi reunir essas fórmulas num programa e
aplicá-las a um personagem com características humanas. Na medida em que ele
faz movimentos repetitivos, aprende a usar sua musculatura virtual e a reagir
como se estivesse no mundo real, obedecendo às leis da física (entenda o
processo no quadro da página seguinte). Com isso, os movimentos ficam muito
mais ricos e verossímeis.Aprendeu a fazer isso há dez anos, enquanto preparava
seu trabalho de Ph.D. em biologia na Universidade Oxford. O ano era 2001.
Biólogo de formação, ele pesquisava a recriação computadorizada dos movimentos
de seres vivos, uma área que estava despontando e servia para prever o
comportamento de animais do presente e do passado, como os dinossauros. Reil,
então com 27 anos, trabalhava com os movimentos de bípedes — a maioria das
pesquisas naquele momento eram focadas em animais marinhos, bem mais simples.
Mas nem chegou a concluir o Ph.D.
Assim que conseguiu fazer um ser animado em 3D aprender a
caminhar sozinho, largou Oxford e abriu o NaturalMotion. A empresa já lançou 9
jogos para celular. Todos chegaram à lista dos 10 aplicativos mais baixados da
Apple Store; somados, já ultrapassaram 30 milhões de downloads. Só um destes
jogos, o CSR Racing, chegou ao topo do ranking da Apple Store e rendeu US$ 12
milhões somente no primeiro mês após o lançamento.
Para alcançar este sucesso, Reil largou o ambiente acadêmico
com um plano ambicioso: construir figuras humanas virtuais de dentro para fora,
com músculos, ossos e tendões, e fazê-las aprender a caminhar, correr, apanhar,
cair. Ele contou com apoio da própria universidade, que mantém uma empresa, a
Isis Inovation, dedicada a levar pesquisas desenvolvidas em Oxford para o
mercado. “Eu não tinha experiência empresarial, mas sabia que minha pesquisa
tinha potencial para mudar o mercado de animação”, diz o biólogo-empresário.
“Não tive dúvida em apostar tudo no projeto.”
O objetivo era fazer com que o personagem de um game não caísse da mesma forma
ao tomar um soco pela direita ou pela esquerda. Para isso, Reil submeteu seu
personagem a exercícios repetitivos, até que ele tivesse capacidade de reagir
com inteligência — uma espécie de evolução artificial estimulada por
algoritmos. Após dois anos de desenvolvimento, a NaturalMotion tinha um
software de geração de animação para oferecer aos estúdios, o Endorphin.
A indústria se interessou. Além do maior realismo, o
software permitia economizar tempo (logo, dinheiro) no desenvolvimento de
figuras animadas — é mais rápido e eficiente ensinar o personagem a se
movimentar do que desenhar (ou filmar) todos os movimentos necessários. O
Endorphin foi usado em comerciais de TV, em games como Grand Theft Auto IV,
Star Wars Force Unleashed (ambos de 2008) e o Red Dead Redemption (2010) e em
filmes como Troia (2004) e Poseidon (2006). O passo seguinte foi atacar o
mercado de games para a Apple Store. “O trabalho de Torsten Reil está abrindo
um novo horizonte para o uso da inteligência artificial na animação”, diz
Michael Wooldridge, professor de ciências da computação em Oxford.
Nos próximos dois anos, chegarão ao mercado outros seis
jogos. O primeiro, para ser lançado ainda no começo de 2013, é Clumsy Ninja,
que promete ser o Tamagochi da próxima década: o jogador terá que ensinar um
ninja muito desajeitado a empunhar suas armas e lutar. Na medida em que
aprender, o personagem vai mudar de comportamento, como qualquer ser vivo.
“Clumsy Ninja reúne dez anos de trabalho duro no desenvolvimento de vida
artificial inteligente”, diz Reil. E pode ser um dos primeiros representantes
de uma nova geração de games que sairá dos estúdios ainda sem fim, uma vez que
a trama irá se desenrolar de diferentes maneiras dependendo do jogador e de
como ele ensina — via o software do jogo — seu personagem a reagir.
Enquanto prepara o lançamento do game, a NaturalMotion
também conseguiu uma licença do governo britânico para pesquisar o uso de seus
softwares na medicina. O objetivo é mapear os movimentos de crianças com
paralisia cerebral e recriá-los em um cenário virtual. Assim, seria possível
fazer projeções virtuais de novos aparelhos, como cadeiras de rodas, ou testar
o efeito de uma determinada cirurgia sem usar as crianças como cobaias.
Torsten Reil pode nunca ter conseguido seu Ph.D. Mas, ao que tudo indica, seu nome deve entrar para a história da ciência.
Torsten Reil pode nunca ter conseguido seu Ph.D. Mas, ao que tudo indica, seu nome deve entrar para a história da ciência.
Fonte: Galileu/Globo