Na mesa é preciso desfrutar. Comer bem não é só obter a
energia e os nutrientes necessários para manter a saúde e o bem-estar: é também
experimentar a fundo as sensações agradáveis que proporcionam os alimentos, o
prazer de reconhecer um sabor de toda a vida, a ventura de desejar penetrar em aromas
desconhecidos e exóticos, sentir como se desfaz na boca a polpa de uma fruta...
Só as pessoas com algum tipo de repressão profunda têm algo que temer de tais
prazeres.
No entanto, também é certo que muitos desequilíbrios são
causados pela predileção exagerada a alguns alimentos que, se consumidos em
excesso, favorecem a aparição de problemas de saúde. Nesse caso se produz um
conflito entre o prazer imediato e o dano a médio ou longo prazo. É certo que é
difícil resistir à tentação de um prato de massa com molho de queijo, ou a um
suculento sorvete, mesmo sabendo que existem opções mais leves e saudáveis. É
claro que desfrutar do prato preferido de vez em quando, em uma dieta
equilibrada, não tem maiores consequências. O problema surge quando o conjunto
da dieta se desequilibra por causa das debilidades do paladar.
O que se esconde por trás das fraquezas alimentares? É simples demais atribuir os maus hábitos aprendidos a uma personalidade carente de força de vontade. Frequentemente os hábitos se relacionam não só com relação aos aromas, sabores e texturas dos alimentos, mas também das suas associações. Em muitos casos os sentimentos são decisivos. Talvez se busque em determinado prato saboroso o carinho que não proporcionou nossa mãe quando estivemos doentes. Muitas vezes se trata de acalmar uma depressão, uma ansiedade crônica ou uma carência afetiva com um pouco de prazer oral. Nestes casos a solução do problema alimentar exige uma prévia tomada de consciência e a satisfação das necessidades emocionais.
O que se esconde por trás das fraquezas alimentares? É simples demais atribuir os maus hábitos aprendidos a uma personalidade carente de força de vontade. Frequentemente os hábitos se relacionam não só com relação aos aromas, sabores e texturas dos alimentos, mas também das suas associações. Em muitos casos os sentimentos são decisivos. Talvez se busque em determinado prato saboroso o carinho que não proporcionou nossa mãe quando estivemos doentes. Muitas vezes se trata de acalmar uma depressão, uma ansiedade crônica ou uma carência afetiva com um pouco de prazer oral. Nestes casos a solução do problema alimentar exige uma prévia tomada de consciência e a satisfação das necessidades emocionais.
AMBIENTE ESTIMULANTE
A indústria dos alimentos muitas vezes se empenha em
explorar a necessidade de prazer do público. Não é outro o objetivo da
publicidade senão provocar no espectador um prazer imaginário, geralmente bem
maior do que o alimento é capaz de produzir na realidade. Não se pode também
descartar aspectos do estilo de vida atual que ajudam a causar dependência a
certos alimentos. O sedentarismo e a comida acessível que enche os armários
colocam as coisas muito fáceis à gula.
Fica evidente que os comportamentos viciantes aparecem em
qualquer experiência de prazer, e o paladar é uma delas. Assim, uma determinada
configuração de personalidade, as experiências vividas e o desequilíbrio entre
neurotransmissores cerebrais que resultam em sensações de bem-estar, são
aspectos que podem favorecer o vício.
Pesquisas recentes descobriram que certos alimentos têm a
capacidade de excitar os sensores cerebrais do prazer. Esta qualidade os
aproximaria das drogas, capazes de gerar dependência. “O queijo vicia como a
morfina”, é a frase emblemática dos pesquisadores pioneiros no campo dos
efeitos viciantes dos alimentos. Seus argumentos tiveram tanto sucesso que
estão sendo utilizados nos Estados Unidos por aqueles que desejam eliminar dos
colégios e da publicidade televisiva no horário infantil o que chamam de “lixo
alimentar”, os alimentos com alto nível de gordura, sal ou açúcar.
QUÍMICA CEREBRAL
O importante das descobertas é que ajudam a entender porque
muitas pessoas sentem predileção por alimentos que as prejudicam, pois estão
relacionados com a obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, câncer ou
alterações das disposições de ânimo. Mas, sobretudo, ser consciente do
potencial viciante de certos alimentos ajuda a dar-lhes o lugar que merecem na
dieta.
O chocolate, o queijo, a carne e os carboidratos liberam no
centro cerebral do prazer substâncias parecidas aos opiáceos (família do ópio e
seus derivados, a morfina e a heroína). Produzem uma sensação de prazer que
induz a continuar comendo. E o pior: se não se satisfaz o desejo aparece a
ansiedade. Portanto, pode-se afirmar que os problemas de saúde relacionados com
estes alimentos não são a consequência de maus hábitos, da falta de vontade ou
da gula. Na verdade, sentir necessidade de consumir doses diárias de um ou
vários alimentos mencionados em boa parte é resultado de processos químicos
cerebrais dos quais não se é plenamente consciente.
O chocolate, um dos suspeitos tradicionais, oferece uma lista
imensa de substâncias similares à composição da anfetamina. Mas a verdadeira
chave de seu efeito viciante parece ser sua combinação de gordura e açúcar.
Ambos os nutrientes oferecem muita energia e o cérebro humano se especializou,
ao longo da evolução, a buscá-los, pois ajudavam a sobreviver em situações de
escassez, que eram comuns quando a humanidade não havia aprendido a garantir
seu sustento.
Segundo uma pesquisa realizada na Universidade de Princeton,
nos Estados Unidos, os alimentos ricos em carboidratos, como o pão branco e os
confeitos, provocam um incremento nos níveis do neurotransmissor dopamina,
assim como de endorfinas, substâncias similares ao ópio e seus derivados, que
são produzidas pelo corpo. Esses tipos de substâncias estão relacionados com a
sensação de prazer e são o último elo de uma cadeia: começa com a chegada da
glicose no sangue, continua com a produção de insulina para controlá-la e
termina aumentando a dopamina e os opiáceos.
Contudo, acredita-se que o sabor doce pode agir também
diretamente sobre o cérebro. Alguns autores consideram que é a intensidade do
sabor, mais que as calorias, o que desencadeia as reações bioquímicas de
dependência. O efeito viciante se produz igualmente quando substitui-se o
açúcar por sacarina, que tem a metade das calorias.
TÃO VICIANTE COMO O SEXO E AS DROGAS
O estudo realizado em Princeton, com ratos que receberam uma
dieta composta por 25% de açúcar, mostrou que era produzida uma verdadeira
síndrome de abstinência ao se retirar o doce, com sintomas como ansiedade,
tremores e ranger de dentes. Também se percebeu que o padrão de comportamento
dominado por jejuns seguidos de abusos é o que mais favorece a aparição de uma
forte dependência, especialmente entre os indivíduos com uma predisposição psicofísica
– seria, por exemplo, o caso das pessoas bulímicas. Dado que o efeito se produz
sobre o neurotransmissor com efeito calmante, não se estranha que as pessoas
que sofrem de ansiedade, como consequência de um transtorno emocional ou
psicológico, tendam a utilizar estes alimentos como remédios e que na realidade
sofram seus graves efeitos secundários: a dependência se reforça até se
transformar em um verdadeiro círculo vicioso.
Acreditava-se que a dopamina só respondia a outros estímulos
- o sexo e as drogas psicoativas -, mas se altera também com as farinhas
refinadas, a carne e as gorduras. O simples ato de observar um alimento
rico em gorduras provoca sua liberação, segundo estudos do Laboratório Nacional
Brookhaven, dos Estados Unidos. Além disso, a gordura e o açúcar agem como
calmantes e reduzem a produção de hormônios do estresse. Por isso as pessoas
que sofrem de estresse são especialmente vulneráveis á dependência à gorduras e
açúcar. As pesquisas sociológicas confirmam as descobertas. Uma enquête
realizada com 1.244 norte-americanos revelou que apenas um em cada quatro
estava disposto a dispensar a carne durante uma semana, se lhes pagassem mil
dólares. Nem o arroz, nem o leite, nem nenhum outro alimento despertava paixões
parecidas.
GORDURAS E HORMÔNIOS
O sistema dos opiáceos cerebrais pode não ser o único
mecanismo despertado pelos alimentos gordurosos. Uma pesquisa dirigida por
Sarah Leibowitz, neurobióloga da Universidade Rockefeller, dos Estados Unidos,
revelou evidências de que ingerir comidas muito gordurosas reconfigura o
sistema hormonal de forma que o corpo pede mais e gasta menos. Em resumo, a
gordura aumenta os níveis de galanina, um mensageiro cerebral que estimula a
fome e reduz a velocidade do gasto energético. Leibowitz teme que as crianças
que comem gorduras demais se tornem adultos obesos por este mecanismo.
O queijo é outro dos
alimentos capazes de viciar. Sua popularidade não se deve exclusivamente às
sensações que sua textura provoca na boca, à variedade de excelentes sabores ou
seu alto conteúdo de nutrientes benéficos à saúde. Na realidade tem muito a ver
com suas qualidades viciantes. O queijo contém altos níveis de caseína, a
proteína do leite, que segundo Neal Barnard, fundador da Comissão de Médicos
por uma Medicina Responsável, pesquisador e professor de medicina na
Universidade George Washington, se decompõe durante a digestão e dá lugar a
compostos semelhantes à morfina, denominados casomorfinas que, segundo se
acredita, podem ser os responsáveis químicos do vínculo especial que une a mãe
com o bebê no período de amamentação. Um copo de leite contém 6 gramas de
caseína, substância que no queijo é muito mais concentrada. A intensidade dos
efeitos das casomorfinas é dez vezes menor que os da potente morfina.
O TERMOSTATO DO SABOR
Outro mecanismo que conspira contra a dieta equilibrada
afeta o “termostato” do sabor. As pessoas desejam três sabores básicos, que são
os gordurosos, salgados e doces. Os bebês com poucos dias já preferem os
alimentos doces - o leite materno é doce.
Os níveis dos “termostatos” de sabor tendem a ser
modificados pelos hábitos em um processo que se denomina nauroadaptação: o
cérebro regula a sensibilidade aos estímulos em função da frequência e
intensidade com que se produzem. Quando se segue uma dieta variada e
equilibrada se pode desfrutar de toda a variedade de sensações. Mas quando se
prova certos alimentos sem estar prevenido pode-se cair em uma perigosa
adaptação que tem três fases: ao provar um alimento de sabor mais intenso se
produz surpresa. Em seguida se busca de novo o estímulo até que as sensações
percebidas sejam normais - o que antes era muito salgado já não parece tanto.
Em umas semanas o gosto estará adaptado. Quando alguém está nesta fase e prova
um alimento natural e equilibrado parece que não tem sabor, e então tenderá a
evitá-lo. Na terceira fase talvez se deseje experimentar um sabor ainda mais
intenso ou aumentar a frequência com que se consome o alimento estimulante.
CADA VEZ MAIS
Na prática isto significa que quando uma pessoa consome um
copo de cremoso leite integral, na próxima vez espera encontrar a mesma
densidade, senão mais, de maneira que o estímulo produzido sobre os centros
cerebrais seja igual ou maior. E tudo isso ocorre sem que a pessoa esteja
consciente disto.
A ideia de que alguns alimentos têm real capacidade de
viciar ainda não é considerada por todos os nutricionistas. Os mais
conservadores insistem em que tudo se pode explicar pelo “bom gosto” e pelas
“preferências” individuais. Argumentam que em nenhum caso um alimento provoca
perda de controle. É preciso considerar que existem pessoas com uma
predisposição de vício e outras com enorme resistência, seja por sua
constituição psicofísica ou por seus bons hábitos de vida. Mas já está
comprovado que quando se injeta naloxona, uma substância que bloqueia a ação
dos opiáceos e que se utiliza para tratar overdoses de heroína, a ânsia pelos
alimentos mencionados diminui. Isto pode ser considerado uma prova conclusiva
de que estes são viciantes.
EFEITO DA PUBLICIDADE
Em qualquer caso, os estímulos do ambiente influenciam a
regulação dos “termostatos” do sabor sobre a resistência individual aos
alimentos tentadores. A publicidade que bombardeia com as qualidades dos
produtos lácteos, das margarinas, das frituras, dos pratos prontos ou das
carnes, contribui para que não se dispare os alarmes preventivos. O perigo
aparece tão bonito que qualquer suspeita torna-se infundada.
Neal Barnard assegura que a grande indústria alimentícia não
só investe muito em publicidade, como conhece os mecanismos bioquímicos do
vício e os explora para aumentar as vendas. Os fabricantes de chocolate, por
exemplo, conhecem qual é a proporção exata de gordura e açúcar que provoca mais
dependência. O conhecimento explica por que fabricam ou comercializam novos
produtos que incluem ingredientes viciantes, como por exemplo as salsichas
recheadas com queijo, ou a introdução deste ingrediente em outros alimentos,
como no quibe, por exemplo. O aumento do tamanho das porções é outra prova de
que querem satisfazer uma necessidade criada de antemão.
É importante conhecer quais são os primeiros sintomas da
dependência para tomar medidas. Um aumento gradual de peso, que pode aliar-se a
outras razões, como o sedentarismo, é o mais destacado e evidente. A manutenção
de uma pressão arterial alta e o incremento da taxa de colesterol são outros
sinais que devem preocupar. Por outro lado, a fome gerada pelo vício pode ser
constante, mas geralmente se expressa em ciclos. Muitas pessoas mantêm o
controle durante o dia, mas à noite se rendem aos seus desejos. Outras têm um
ciclo semanal ou sua fome se expressa fora de casa.
Como em qualquer vício, a chave para superá-lo está em
resistir. Não importa a maneira. Pode-se substituir os alimentos problemáticos
por outros saudáveis, ou inclusive por um entretenimento ou esporte. Depois de
um tempo de distanciamento do causador, a dependência diminui e tende a
desaparecer.
Fonte: Espaço Saúde