O Oscar ainda não tem uma categoria para filmes científicos,
mas, se tivesse a obra A Boy And His Atom (Um Garoto e Seu
Átomo) seria a grande favorita. Desde já conhecido como “o menor filme do
mundo”, a produção de um minuto de duração é um curta de animação feito somente
com átomos. O resultado é curiosíssimo – e a fofura do garotinho brincando com
átomos como se fossem bolas esconde importantes avanços tecnológicos.
As pessoas costumam se encantar muito com o muito grande. “Não
tem nada que impressiona mais que uma foto do Telescópio Hubble”, afirma Fabio
Gandour, cientista chefe da IBM Brasil, empresa responsável pela façanha. Fabio
trabalhou por 3 anos nos EUA, no mesmo laboratório em que o filme foi feito.
Lá, os cientistas se dedicam apenas ao minúsculo mundo daquilo que só é visto
através de microscópios atômicos. Foi lá que Fabio conviveu com Don Eigler, o
grande pioneiro da manipulação de átomos e espécie de sumidade da área.
Em 1986 cientistas criaram o microscópio de tunelamento,
dispositivo que mostrou pela primeira vez a imagem de um único átomo. Nessa
época era possível apenas observar a partícula, nada de interação. É aí que
Eigler entra. No início dos anos 90, o físico escreveu a palavra IBM com 36
átomos de xenônio em uma superfície de silício. “Esse foi o capítulo 1 dessa
história. O filme é o capítulo 4 e ainda temos mais uns 20 pela frente”,
calcula Fabio.
Em conversa por telefone com a Revista GALILEU, Fabio
descreveu o processo de filmagem e esmiuçou os efeitos práticos que o domínio
de átomos pode oferecer a Humanidade: “O filme foi um jeito genial de
popularizar uma descoberta científica bastante técnica. A manipulação de átomos
vai mudar completamente o jeito que nós armazenamos nossos dados”. Exatamente
como em um filme de stop motion, os átomos foram fotografados em um tanque a
-200°C e as imagens foram colocadas em sequencia, dando a sensação de movimento.
No filme, o cenário é uma superfície de cobre e as bolinhas são átomos de
carbono. Veja como foi a conversa com o cientista da IBM.
Quais são as principais dificuldades em um processo
desses? Como é possível adestrar um átomo?
Os átomos só ficam parados no frio extremo, então a primeira
coisa foi encontrar um ambiente com uma temperatura baixíssima. Pra isso, tanto
o cobre como o carbono devem ficar em um tanque subterrâneo de hélio líquido, a
-200°C. O microscópio de força atômica tem uma agulha muito pequena que se
aproximar da lâmina de cobre, onde a “poeirinha de carbono” está repousada. A
agulha não precisa nem encostar, só de chegar perto do átomo já acontece um
efeito de repulsão, o efeito túnel. A mão humana não tem precisão pra fazer
isso, uma máquina com micromotores muito sensíveis é que manipula essas agulhas
– empurra um átomo 5 nanômetros pra frente, 5 nanômetros pra trás. As imagens
foram geradas dentro desse tanque, a 15 metros de profundidade. Daí essas fotos
vão pro computador, a tela do computador é fotografada, colocada em sequencia e
o filme está pronto.
Como é possível tirar foto de um átomo?
Como é possível tirar foto de um átomo?
O que a gente vê no filme é o que os cientistas chamam de
“visão indireta”: uma espécie de representação da energia dos átomos. Você não
vê o átomo como você vê um copo e o motivo é simples: ele simplesmente não
reflete a luz. O comprimento de onda da luz é maior que o átomo – a luz não
bate e volta.
O que isso pode significar em termos práticos no futuro? Qual a vantagem de domar átomos?
O que isso pode significar em termos práticos no futuro? Qual a vantagem de domar átomos?
O filminho em si é atraente, mas ele é só a ponta do
iceberg. O que nos queremos é gerar novos modelos de armazenamento de dados.
Hoje, o modelo mais comum é o disco rígido e eu tenho muita birra de disco
rígido: um disco magnético que fica girando o tempo todo, que não para de
gastar energia. Imagine quantos discos estão girando a toa na cidade de São
Paulo nesse exato momento? Nossa ideia é criar um modelo baseado no
deslocamento de átomos. Uma posição representa o bit zero, outra posição
representa o bit um e a agulha que empurra os átomos só seria acionada quando
eu precisasse mudar o conteúdo que está sendo gravado. Isso deve acontecer em
até 8 anos.
A outra aplicação é em relação aos chips. No passado, um
chip tinha 50 mil portas lógicas, hoje são 250 milhões. Cada porta lógica é um
transistor. O desafio agora é a geometria das portas, como vai ser a disposição
de todos esses transistores? Calcular as distâncias de um elemento para o outro
é um trabalho infernal. É como brincar de LEGO, temos que agrupar esses
bloquinhos – a manipulação atômica será muito útil para esse campo e daqui a 5,
10 anos já será uma realidade.
Fonte: Revista Galileu
Foto: Cena de “A Boy And His Atom”: a história de um garoto
feito de átomos é apenas um jeito atrativo de chamar atenção para uma grande
façanha científica //Crédito: Divulgação