Se hoje um antivírus consegue identificar um malware em seu
computador antes de um programa ser instalado, você deve agradecer a John
McAfee. Atento a uma tendência de mercado surgida na década de 80, o fundador
de uma das maiores empresas do segmento já criadas teve em sua vida momentos de
glória e decadência.
Gênio brilhante em alguns momentos, lunático e dependente de
drogas em muitos outros, McAfee criou em torno de si uma história digna de um
blockbuster hollywoodiano. Aliás, ele tem tanta certeza disso que vendeu os
direitos sobre a história de sua vida para a Warner, que deve produzir em breve
um longa-metragem sobre a sua trajetória.
Mas o que há de verdade e o que há de fantasia na vida
conturbada de John McAfee? Como um brilhante PhD em Matemática, fundador de uma
das maiores companhias de software do mundo, foi parar no meio da selva,
fortemente armado e com um exército particular à sua disposição para protegê-lo
enquanto pesquisava substâncias químicas? Bem-vindo ao mundo louco de McAfee.
Uma infância complicada
É difícil precisar o ano de nascimento de John McAfee.
Alguns documentos dizem que ele nasceu em 18 de setembro de 1945, enquanto
outros colocam o ano como sendo 1946. Contudo, esse mistério é apenas um
detalhe em sua trajetória repleta de fatos curiosos. Na infância, filho de um
pai alcoólatra, apanhava com frequência junto com sua mãe.
Quando McAfee completou 15 anos seu pai se suicidou com um
tiro, mas nem por isso deixou de ser um fantasma na vida de John. “Ainda penso
nele todos os dias, onde quer que eu esteja. Tenho ciência de que a minha vida
é uma droga”, destacou McAfee em uma longa entrevista à revista Wired.
Na época da faculdade começou a mostrar o seu talento,
revelando-se um homem extremamente inteligente e com bom faro para negócios. Um
dos seus primeiros empregos era o de vender revistas de porta em porta, algo
que, nas palavras dele, “rendeu uma fortuna”. Seu método não era dos mais
honestos, já que ele anunciava “revistas grátis” em troca do preenchimento de
um simples cadastro – a conta chegava dias depois.
McAfee, suas mulheres e seu exército (Fonte da imagem:
Reprodução/Wired)
Inteligência acima da
média
Com o início da vida acadêmica e, consequentemente, os seus
primeiros trabalhos no mundo da tecnologia, outros problemas começaram a se
revelar. Se por um lado McAfee se formava com brilhantismo em Matemática, tendo
a oportunidade de trabalhar como um dos programadores da NASA, por outro
começava a enfrentar os seus primeiros problemas com álcool.
Sua vida permaneceu nesta rotina durante a década de 70, mas
foi nos anos 80 que a sua trajetória mudou completamente. Em apenas três anos –
entre 1983 e 1986 –, sua vida foi da derrota à criação daquela que seria uma
das maiores companhias de software do mercado nas décadas seguintes.
Aos 38 anos, John McAfee era diretor de engenharia da Omex.
Seus problemas começaram anos antes, quando do álcool ele passou a experimentar
drogas como maconha, cocaína e LSD. Em 1983, consumia cocaína em grandes
quantidades, vendendo o excedente para os seus colegas de trabalho. Dormia na
mesa e passava as manhãs bebendo whisky.
Na Northeast Louisiana State College, onde cursava PhD e
atuava como professor auxiliar, foi expulso por dormir com uma de suas alunas
da graduação. Na Univac de Bristol, no Tennessee, foi demitido após ser preso
vendendo maconha. Meses depois sua esposa também o abandonou.
Um novo surto
Três anos mais tarde John McAfee reapareceu como funcionário
na Missouri Pacific Railroad, uma companhia de gerenciamento de trens. Usando
computadores da IBM, reinventou diversas rotinas de controle e otimizou as
rotas, gerando muitos lucros para a instituição. Infelizmente seu estado sóbrio
durou muito pouco.
Novamente o LSD falou mais alto em sua vida e em pouco tempo
sua carreira desmoronou. Um belo dia, depois de uma noite consumindo altas
doses, McAfee foi encontrado no centro de Saint Louis, sujo e tendo
alucinações. Ele nunca mais voltaria a trabalhar na companhia de trens e
precisou ser internado outra vez.
McAfee e uma de suas namoradas. (Fonte da imagem:
Reprodução/Wired)
Nasce o antivírus
McAfee
Três anos depois, em 1986, McAfee estava sóbrio de novo. E
quando ouviu a notícia de que dois irmãos haviam criado no Paquistão aquilo que
poderia ser considerado o primeiro vírus de computador, decidiu que alguma
coisa precisava ser feita. Com pouco investimento, reuniu alguns colaboradores
e fundou a McAfee Associates.
Seu plano era criar programas antivírus e distribuí-los
gratuitamente a quem quisesse utilizá-los. O plano deu certo e a propaganda
“boca a boca” fez com que o software chegasse às grandes empresas. Em 1991, um
relatório divulgado pela revista Forbes apontou que, entre as 100 maiores
empresas dos EUA, 100% delas utilizavam o software de McAfee. As companhias
pagavam uma pequena taxa de licenciamento, o que rendia a ele um faturamento de
US$ 5 milhões por ano.
Em 1992, ele usou seu “talento” de vendedor para promover o
seu produto, espalhando na mídia um certo pânico por conta do vírus
“Michelângelo”, que supostamente infectaria 5 milhões de computadores. O plano
deu certo e a empresa aumentou consideravelmente o número de licenças de
software. Entretanto, o “medo” não se confirmou e menos de 10 mil computadores
foram infectados.
Curiosamente, no mesmo ano, a empresa decidiu abrir o seu
capital na bolsa de valores. Da noite para o dia, a companhia fundada por John
McAffe com pouco investimento valia US$ 80 milhões. Seu nome estava garantindo
entre os grandes da indústria tecnológica nos anos 90.
McAfee: armado e perigoso (Fonte da imagem:
Reprodução/Wired)
Anos 2000: o começo
do fim
Depois de quase duas décadas mantendo a sua empresa entre as
gigantes do mercado de software, McAfee
parece ter tido uma nova recaída. Um ano antes de a McAfee Associates ser
vendida para a Intel – que pagou cerca de US$ 7,7 bilhões pela companhia –, o
executivo decidiu vender praticamente tudo o que tinha.
Assim, ele deu adeus aos seus carros luxuosos, às mansões
que mantinha em diversas localidades nos EUA, como Hawaii, Texas, Novo México e
Colorado, e até mesmo seu jato particular. De maneira surpreendente, decidiu
comprar um grande terreno em meio a uma floresta de Belize, um pequeno país da
América Central, e lá se refugiou em um bangalô sem acesso à internet.
Depois de conhecer a microbiologista Allison Adonizio, que
fazia pesquisa com antibióticos, McAfee teve um surto. Se antes ele havia
conseguido eliminar vírus virtuais, por que não conseguiria também eliminar os
vírus reais? Assim, construiu um laboratório completo para Allison, que vendeu
tudo o que tinha e firmou uma sociedade com ele.
(Fonte da imagem: Reprodução/Engadget)
Andando por caminhos
tortuosos
Enquanto Allison se ocupava com as pesquisas, McAfee tratava
de negócios e caminhava por becos e ruas sujas de Belize tirando fotos dos
habitantes locais. Em um bordel chamado Lover’s, o dono apresentou a ele Amy
Emshwiller, uma menina de apenas 16 anos. Menos de 30 dias depois os dois já
dormiam juntos.
O detalhe é que McAfee já morava com uma mulher, que não
gostou nada de ver uma nova companheira em sua casa, deixando John um mês
depois. Em um relacionamento conturbado, após 30 dias a jovem Amy tentou matar
McAfee, mas desistiu na hora de puxar o gatilho de uma arma. Ele então decidiu
que ambos não iriam mais morar juntos, mas construiu para ela uma casa no
perigoso bairro onde a jovem nasceu.
Ciente dos perigos, McAfee resolveu equipar os policiais da
região com armamento pesado, munição e veículos. Não satisfeito, ele mesmo
colocou uma pistola na cintura e foi às ruas conversar com traficantes. Para
muitos oferecia TVs de LED em troca da promessa de que eles largariam o
tráfico.
(Fonte da imagem: Reprodução/ArsTechnica)
Justiceiro excêntrico
O final de 2012 marcou o término, ao menos por enquanto, de
sua aventura em Belize. McAfee armou um exército particular e decidiu que ele
mesmo iria mexer com química em seu laboratório particular. Embora tenha dito
que estava pesquisando antibióticos, a suspeita é de que ele estivesse
produzindo metanfetamina, substância controlada e que pode provocar
alucinações.
No local onde mora, ele criou uma fábrica de cigarros, uma
companhia de distribuição de café e um serviço de táxi marítimo. No ano
passado, o governo de Belize o acusou de montar um exército privado e traficar
drogas na região. Uma força de elite local, chamada Belize Gang Supression
Unit, treinada pelo FBI, invadiu a sua casa e encontrou munição pesada e muitas
garrafas de substâncias químicas desconhecidas.
Solto mediante fiança, ele voltou para o seu bangalô onde
morava com cinco mulheres, todas com idades entre 17 e 20 anos. Em novembro,
passou a ser procurado pela polícia local sob a suspeita de ter assassinado o
seu vizinho. Foragido, McAfee foi preso na Guatemala no mês de dezembro e
deportado para os Estados Unidos no início deste ano.
Amy Emshwiller, a menor de idade por quem McAfee virou um
justiceiro. (Fonte da imagem: Reprodução/Wired)
Futuro incerto
Aos 66 anos, não se sabe o que McAfee fará de sua vida agora
que está de volta aos Estados Unidos. Embora diga que luta contra as drogas, as
autoridades já confirmaram conversas dele online em que oferece entorpecentes
para amigos e conhecidos. Ele diz também se preocupar com a lei, mas entre os
motivos de sua saída dos EUA está um caso jurídico não esclarecido, envolvendo
a morte de um aluno em sua escola de voo.
Para a polícia, ele é um homem perigoso que se tornou um dos
chefes de um cartel de drogas na América Central. Para outros, que tiveram
contato com ele nos últimos anos, McAfee é um homem problemático, que perdeu
contato com a realidade e insistentemente tenta convencer os outros dos seus
delírios.
Em seu blog oficial, McAfee alimenta histórias sobre a sua
personalidade que parecem difíceis de ser verdade. Uma das alegações, por
exemplo, é a de que ele é o líder de um grupo de espiões que descobriu uma
célula terrorista do Hezbollah em plena América Central. O fato nunca foi
confirmado, mas ele não parece se importar muito com isso. Gênio ou vilão,
McAfee tem tudo para se tornar um novo “Scarface” nas telas de Hollywood.
Fonte: Who Is McAfee, ArsTechnica,
Wired,
Gizmodo,
Tecmundo
Foto de capa: McAfee: sem medo de brincar de roleta-russa.
(Fonte da imagem: Reprodução/Wired)