Há, sim, um denominador comum entre as manifestações que
recentemente tomaram as ruas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto
Alegre, Istambul, Atenas, Caxemira, Ancara, Bahrein e outras cidades pelo
mundo. Um denominador pequeno até, vale dizer: não mais do que 15 cm de altura,
alguns poucos gramas de peso, nada muito chamativo, quase cabe no bolso. Só
que, apesar do tamanho diminuto, é praticamente impossível não ser notado.
Em
conflitos no Brasil, na Europa, no Oriente Médio ou na África, há sempre um
cartucho – um não, vários – de gás lacrimogêneo 2-clorobenzilideno malononitrila,
capaz de formar uma nuvem de 10 m de diâmetro e permanecer algo em torno de 15
minutos no ar. Quem o conheceu pessoalmente não esquece: ele causa
lacrimejamento, irritação na pele, diminuição da oxigenação e queimação na
boca, além de desorientação e vertigem. Uma sensação que é testada,
aperfeiçoada e colocada dentro de um projétil em uma fábrica na periferia de
Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a cerca de 30 km do centro do Rio de
Janeiro. É dali que saem as bombas não letais usadas em guerras, brigas e
protestos por todo o globo. Um denominador com a inscrição “Made in Brazil”.
“Vendemos para mais de 40 países, sempre para governos
legalmente constituídos, como Forças Armadas e polícias”, conta Carlos Erane de
Aguiar, presidente da Condor Tecnologias Não Letais, maior empresa do setor na
América Latina e um dos principais fornecedores para o Oriente Médio. “As
exportações atingiram no ano passado 50% do faturamento. Países geograficamente
distantes, de culturas diferentes, porém todos em busca do mesmo objetivo:
manter a ordem, os direitos e a propriedade de terceiros, mas fazer isso
preservando vidas.”
A Condor foi criada em 1985, contudo os contratos só
começaram a se multiplicar depois das tragédias de Carandiru, em 1992, e
Carajás, em 1996, quando o despreparo policial com armas de fogo resultou em
130 mortos. Com cerca de 500 funcionários, a fábrica produz hoje uma linha 150
produtos, como dispositivos eletrônicos incapacitantes, granadas explosivas,
munições de impacto controlado e sprays de pimenta – entre as armas mais
impressionantes está a “Homem-Aranha”, um lançador de redes para capturar
pessoas, e a “Mike Tyson”, uma escopeta que dispara balas de borracha capazes
de criar o impacto de um soco de 300 kg. O gás lacrimogêneo, no entanto, é o
carro-chefe da empresa: as cápsulas chegam à distância de 120 m e têm a
capacidade de passar por cima de obstáculos como muros e barricadas “para
desalojar pessoas e dissolver grupos de infratores da lei”, segundo descrição
do próprio fabricante.
O mercado em busca desse tipo de armamento está cada vez
mais efervescente, digamos assim – apenas para os megaeventos Copa das
Confederações e Copa do Mundo, o governo federal já destinou quase 50 milhões
de reais para a Condor. Não há, todavia, uma legislação específica para conter
abusos. “Armamento que não mata nem machuca é mentira”, explica José Vicente da
Silva, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e secretário de
segurança na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Alheia ao
possível mau uso feito com seus armamentos, a Condor continua investindo em
novidades. “Somos, seguramente, a empresa que mais lançou novos produtos não
letais no mundo”, conta Carlos Erane de Aguiar. “Existem muitas tecnologias
promissoras sendo avaliadas pelo nosso pessoal de pesquisa e desenvolvimento,
mas ainda não podemos falar delas, sob pena de dar aos concorrentes o mapa da
mina de para onde estamos caminhando.”
Fonte: Revista Alfa