O Sudário de Turim, dito “Santo Sudário”, é uma espécie de
Conde Drácula da pseudociência: não importa quantas vezes seja sepultado pelas
evidências, sempre retorna. Recentemente, uma exposição acrítica sobre a
relíquia passou pelo Rio de Janeiro, surfando na onda da visita do papa, e
depois por São Paulo.
No “Livro dos Milagres”, dedico um capítulo inteiro à tal
“mortalha de Jesus”. Resumindo bem a história, há quatro linhas de evidência,
independentes entre si, que mostram que o sudário é uma falsificação criada na
França medieval. E existe, ainda, mais uma evidência arqueológica recente.
A primeira prova é o carbono 14: três fragmentos do sudário
foram submetidos a datação por radiocarbono em três diferentes laboratórios, e
os resultados, publicados na revista científica Nature, convergem para uma data
entre os séculos 13 e 14. A segunda é o exame microscópico realizado por Walter
McCrone, um perito em autenticação de obras de arte, que descobriu no sudário
pigmentos do século 14, aplicados com uma técnica do século 14.
Temos ainda a evidência documental: a despeito de teses
fantasiosas ligando o sudário ao Império Bizantino, os primeiros documentos a
citar o pano são – surpresa! – do século 14. Entre eles, há o depoimento de um
bispo francês que afirma ter conhecido o autor da obra.
Por fim, existe a evidência estética: a imagem do sudário
não representa um corpo humano real, e sim um corpo concebido de acordo com as
convenções da arte gótica do século 14. As linhas são alongadas demais, e falta
simetria no comprimento dos membros.
Há ainda outros sinais de que a imagem é artificial,
incluindo ausência de distorção (um rosto humano pressionado num tecido
deixaria uma mancha esticada e arredondada, não um retrato retangular) e o fato
de o “sangue” aparecer escorrendo pelo cabelo. Como qualquer um que já tenha se
cortado na cabeça sabe, o sangue não escorre livremente sobre os cabelos, como
água sobre um impermeável, mas gruda, fica empapado.
Defensores da autenticidade do sudário costumam atacar,
principalmente, a confiabilidade do teste de carbono 14, e também os resultados
de McCrone. Há livros inteiros sobre essas disputas, mas o que realmente chama
a atenção – ou deveria chamar – é a convergência da evidência: são quatro tipos
de prova, independentes entre si, que vão da historiografia medieval à história
da arte e à física de partículas, que apontam para um mesmo resultado. No fim,
a tática usada pelos fãs da mortalha de Turim não é muito diferente da adotada
pelos criacionistas: tentar estabelecer polêmicas pontuais e obscurecer o
quadro geral.
Citei uma quinta linha de evidência: é a Tumba do Sudário,
descoberta em Jerusalém em 2000, e que continha fragmentos de uma mortalha
real, usada por um judeu do século 1 dC. A trama do tecido em nada se parece
com a do Sudário de Turim. Além disso, na tumba foram encontrados tufos de
cabelo, dando testemunho da tradição judaica de cortar os cabelos dos mortos
antes de sepultá-los – só que a imagem do sudário é a de um homem barbado,
ainda de cabelos compridos.
Foto de capa: Foto em negativo do rosto do Sudário de Turim
(E) e réplica produzida pelo pesquisador italiano Luigi Garlaschelli, usando
técnicas medievais (Foto: reprodução)